— Ele morde mesmo! E tem uns dentes! Outro dia pegou meu filho…
— Será que a mãe não vê isso?!
O primeiro contato da criança com o mundo é pela boca e morder faz parte disso. Ninguém gosta que seu filho seja mordido. Os pais da “vítima”, às vezes, sentem-se culpados por deixarem seu filho num ambiente com tantas crianças. Já os pais do mordedor, quase sempre, ficam envergonhados com o fato. Tanto a família do mordedor quanto a do mordido se sentem preocupados ou agredidas.
Mas o que significa a mordida?
O primeiro contato da criança com o mundo é pela boca. Você já reparou em um bebê de quatro meses? Ele leva coisas para a boca. Mãos, pés, todos os objetos ao alcance vão, mais cedo ou mais tarde, para a boca do bebê. Ao colocar um objeto na boca, o bebê está experimentando este objeto. Está aumentando seu conhecimento sobre as coisas que o rodeiam. Começa a experimentar diferenças de peso, textura, tamanho, forma. Enfim, a cada bocada ele conhece um pouco mais o mundo ao redor! A boca é um dos meios mais importantes para o bebê entrar em contato com o mundo. Além de usá-la para conhecer as coisas, o bebê a utiliza para outras formas de contato. Aceitar ou rejeitar alimentos é uma das formas. Chorar também. Quando surgem os dentes, começam as mordidas. Vindo da boca, não podia ser diferente: a mordida também é uma maneira de conhecer o mundo. E é também uma forma de comunicação com ele. Mordendo um objeto, a criança pode perceber muitas coisas. A diferença entre duro e mole, por exemplo. Também pode perceber a novidade que é o susto, o choro ou o espanto da criança mordida. Descobrir que a outra reage é uma grande aventura!
Morder pode ser fascinante. Tão fascinante que a criança pode querer repetir.
Quem será um mordedor?
Em nossa cultura, frequentemente expressamos carinho brincando com os dentes, sobretudo com bebês, fingindo morder.
Essas ações geram “modelos de imitação” para os pequenos. Eles utilizam esses modelos nas brincadeiras com outras crianças. Porém, ainda não sabem quanta força podem colocar na boca e também não sabem avaliar as consequências desse comportamento. Isso não quer dizer que seja desaconselhável brincar com a criança usando a boca. Pelo contrário. Desde que respeitadas as particularidades e as sensações da criança, esses momentos podem ser muito afetuosos e de grande intimidade. É preciso apenas ir mostrando que ela pode acabar provocando dor e machucando outras crianças. Sobretudo aquelas que não estão com vontade de entrar na sua brincadeira.
A diferença individual também é importante nesta hora. A partir de experiências com os adultos e os objetos, cada criança vai construindo uma maneira particular de reagir.
Um beliscão, dado com a mesma força pode provocar reações diferentes em diferentes crianças. Um som alto pode não chamar a atenção de algumas, enquanto outras ficam extremamente irritadas. Isso também é válido para o toque, a tolerância à frustração, os sentimentos de ciúme, a busca de atenção ou a procura de exclusividade. Cada criança tem sua maneira de reagir frente aos conhecimentos. Em situações em que se sente contrariada ou nas disputas de objetos, algumas crianças reagem de forma explosiva, mordendo, enquanto outras choram, na expectativa de que o adulto a ajude.
Muito comum é acontecer uma mordida quando uma nova criança entra num grupo de crianças. Pode ser que uma das crianças fique insegura ou com ciúmes da novata. Sem poder compreender direito, sem ter como organizar suas emoções, ela pode descarregar sua ansiedade na forma de mordida. Você já deve imaginar: em geral, o alvo é esta nova criança.
Importante é saber disto:
Seja qual for o fator que leve à mordida, é preciso muito cuidado para não rotular a criança como “mordedor. Quando se rotula uma criança, todos passam a esperar que ele volte a ter aquela reação. Mesmo que seja uma expectativa sutil, a criança percebe. Para ela, essa expectativa é marcante, e pode aumentar a ansiedade da criança. Esse aumento da ansiedade pode levá-la a dar novas mordidas. Se a mordida acontecer, reforça-se a ideia de que ela é mordedora. A expectativa aumenta, aumenta a ansiedade e ela morde mais uma vez. Um ciclo sem fim.
Mesmo que a criança não fale direito, alguma coisa da conversa dos adultos ela entende. Ela percebe o clima. Isso também pode acentuar seu comportamento de morder, com motivo ou sem motivo aparente. Por isso, se for preciso conversar sobre o fato, é melhor que não seja na presença da criança.
Na ocorrência de uma mordida, talvez o melhor seja tratar o fato com tranquilidade. É importante esclarecer, para a criança, a dor que se sente. Importante também é ajudá-la a encontrar outras formas de se comunicar. Mostrar possibilidades de expressar, através da fala e dos gestos, suas emoções. É preciso compreender que esta é uma fase do desenvolvimento da criança. Praticamente todas as crianças, entre um e três anos, em algum momento, usaram ou usarão tal conduta. Esse recurso praticamente desaparece quando a linguagem estiver mais desenvolvida.
Ana Maria Mello é doutoranda em Psicologia na USP/ São Paulo.