Críticas Literárias
15/08/2017

A leitura é um dos mais importantes pilares para a formação crítica. Por isso, é importante saber o que os alunos estão lendo e se atentar ao entendimento e a opinião deles sobre clássicos da literatura. As alunas Camila Celes, da 3M1, e Maria Eduarda Guedes, também da 3M1, fizeram resenhas dos livros “Vidas Secas” e “A hora da Estrela”. Leia abaixo um pouco da produção dos nossos alunos!

 

A hora da Estrela, Clarice Lispector

Por Maria Eduarda Guedes
A Hora da Estrela é mais uma das pérolas de Clarice Lispector, um dos maiores nomes da literatura brasileira. Clarice, conhecida pela sua irreverência no modo de contar histórias, tem como pilar neste romance a metalinguagem. O romance se divide em três planos: o do criador, Rodrigo S. M.; o da mente de Macabéa, a estrela do livro; o das nuances do mundo real à sua volta. Clarice decompõe desde o ato de escrever e as angústias do autor até a mente confusa de Macabéa. Também decompõe o modo como Rodrigo lida com sua criação. O romance é um grito, como o próprio Rodrigo define, contra as violências simbólicas que Macabéa enfrentou e que a fizeram apenas sobreviver, sem entender que estava efetivamente viva. Não é um livro que trata de grandes emoções ou de grandes aventuras, mas sim dos silêncios, cheios de tudo o que poderia ter sido e não foi.

O livro não se divide em capítulos e propõe uma imersão na psiquê de Macabéa e, consequentemente, na de Rodrigo, uma vez que Macabéa é um fruto da imaginação deste. Apresenta tempo psicológico e, à medida que a história avança, mais o leitor  fica a par da letargia profunda em que Macabéa se encontra e do mundo alienado do qual ela não sabe participar, como uma progressão psicológica. Além disso, a narrativa se desenrola através do aprofundamento de epifanias do escritor, por exemplo: “ … um meio de obter é não procurar…”, que Rodrigo desenvolve e problematiza na vida de Macabéa.  O foco narrativo é de narrador – personagem e também de observador: o escritor se manifesta no seu plano da narrativa, mas, apesar de criar, não está inserido na vida de Macabéa, criando um paralelo entre observar e existir.

Em suma,  A hora da estrela é um romance de reflexão da vida cotidiana, que revela os pequenos silêncios a que – assim como Macabéa – todos estamos submetidos, e que não são facilmente identificados, são apenas assimilados. É uma crítica à sociedade do espetáculo, que enxerga apenas o que deseja e ignora as pequenas tragédias, como a vida de Macabéa.

 

Vidas Secas, Graciliano Ramos

Por Camila Celes

Vidas secas narra a história de uma família de retirantes do sertão nordestino. Desafiados pela escassez de água, Fabiano, sinhá Vitória e seus dois filhos, acompanhados de Baleia, a cadela, lutam por uma mera sobrevivência. Os personagens iniciam sua trajetória migrando e a terminam de igual maneira, um ciclo sem fim da busca por apenas o suficiente, realidade tão concreta para milhares de brasileiros.

Graciliano Ramos, nessa obra modernista de denúncia social muito forte, traz à tona a falta: de água, de moradia e de humanidade. Para a família, tudo é vazio. A ideia de vácuo é tratada pela filosofia japonesa como sinônimo de espiritualidade e de habilidade de pensar e  de se comunicar, em Vidas secas, contudo, o vácuo não ultrapassa o sentido literal da palavra. Assim, a secura do ambiente transpõe o meio físico e atinge o cognitivo e o caráter da família. Incapazes até mesmo de se comunicar com eficiência, os humanos da história são tratados como animais. “Você é bicho, Fabiano,” repete o pai, cujo maior sonho é conseguir ser capaz de articular seus pensamentos a fim de ser tratado da maneira que reconhece como digna. Injustiçados, famintos e sozinhos. Certamente frustrados com a situação, porém não humanos o suficiente para deixar isso claro.

Nessa perspectiva, a seca adquire um caráter quase divino, omnipotente e omnipresente na história. Ela define tudo e está em tudo. Terras secas, pessoas secas, vidas secas. A partir dessa ideia, é construído um enredo agonizante para quem o lê. Tal agonia é gerada pela consciência de que, apesar de a família de Fabiano e sinhá Vitória ser fictícia, sua história é real. Para os leitores contemporâneos, a angústia se faz ainda maior pela percepção de que aquilo que é  retratado como algo que deveria ser eliminado com prontidão em 1938 se revela até hoje como um problema a ser resolvido.