O título de um artigo no jornal Valor Econômico chamou atenção essa semana dos educadores – “Só nos resta ensinar aos alunos como serem humanos”. Essa afirmativa é do reitor da escola de negócios espanhola IE Business School, Martin Boehm. A matéria revela o quanto os métodos interativos, ativos e construtivos são valiosos para o pensamento crítico e analítico, fazendo com que o ser humano possa fazer a diferença. Nessa perspectiva entendemos que não há uma dicotomia entre aprendizagem e humanização. Entendemos o homem como natureza e, portanto, deve estar sempre conectado consigo mesmo desde a mais tenra idade. Confiram a entrevista com Laís Fleury, diretora do Instituto Alana.
Luiza Sassi, Direção Pedagógica
Por que o contato com a Natureza é tão importante para as crianças?
Para Laís Fleury, empreendedora social e diretora do Instituto Alana, quanto mais conexão com a biodiversidade, melhor para a infância. Segundo Laís, dá para começar com a árvore da calçada na cidade. Confira a entrevista conferida à revista Época, em Outubro de 2016.
A luta pela conservação da natureza ganhou um novo aliado. O Instituto Alana, uma organização responsável por algumas das campanhas mais bem-sucedidas sobre a infância, criou um novo movimento para defender a importância da conexão com a natureza. A campanha se inspira muito nos estudos de Richard Luov, que fala dos efeitos positivos da natureza para crianças – e adultos. O Instituto Alana planeja ações para estimular as famílias a levar as crianças para parques e praças. Quem explica tudo isso é Laís Fleury, diretora do Alana e coordenadora da campanha Criança e Natureza.
ÉPOCA – Por que o contato com a natureza é importante para as crianças?
Laís Fleury – Existem pesquisas que comprovam quanto a natureza é importante para o desenvolvimento físico, intelectual e emocional das crianças. Do ponto de vista físico, a forma como a criança se conecta com o ambiente natural é o corpo. Ao ar livre, ela corre, brinca de forma muita ativa. Se está em movimento, está ficando mais saudável. Há uma propensão menor a ganhar sobrepeso. Para o desenvolvimento intelectual, a natureza proporciona um brincar criativo. A criança se desenvolve mais porque os elementos naturais inspiram a alma imaginativa. Ela cria e recria seus brinquedos com o que encontra na natureza. Se está caminhando numa floresta e acha um toco de árvore, pode subir nele, fazer que é um cavalo, um barco, um avião. O tempo todo a criança está criando significados. E a natureza também instiga intelectualmente pelo fato de ser um ambiente vivo. Tem cheiro, textura, tato. É um aprendizado exploratório. A criança segue uma formiga, vai recebendo informações do que o animal faz, percebe que participa de um mundo muito maior, de uma teia de relações vivas. Isso não acontece num playground cimentado. Numa sala de aula, os professores se queixam da falta de atenção dos alunos. Na natureza, isso não acontece. As crianças brincam com as folhas ou com as pedras. Ou ficam horas observando atentamente a floresta. Se a criança sobe na árvore, a concentração é total. Ela presta atenção no movimento, no equilíbrio, nos animais do tronco, na firmeza do galho. As crianças estão sendo medicalizadas por causa da síndrome do déficit de atenção. Será que o senso exploratório da natureza não resolveria parte desses problemas?
ÉPOCA – E qual é o ganho emocional do contato com a natureza?
Laís – Nós, adultos, percebemos o poder restaurativo da natureza. Não é diferente com as crianças. Elas recebem essa recarga quando estão no ambiente natural. A natureza acolhe qualquer tipo de humor. Se a pessoa está com raiva, pega um pedaço de pau e bate em troncos ou pedras. Se está aborrecida, a natureza oferece privacidade. Se quer paz, pode viver momentos de contemplação. O contato com a beleza natural mexe com a gente internamente. Entre as crianças provoca encantamento.
ÉPOCA – Que tipo de atividades são boas para as crianças fazerem no ambiente natural?
Laís – O que advogamos é mais oportunidade para a criança brincar de forma não estruturada na natureza. Não é ir lá para cumprir uma obrigação ou realizar uma tarefa. Ou para aprender especificamente alguma coisa. Falta esse momento de brincar livremente. Se a criança vai lá para fazer o que quiser, pode aprender mais sobre os medos, as vontades. Vai testar seus limites.
ÉPOCA – E a horta na escola?
Laís – Pensando na nossa realidade de escolas muitas vezes completamente cimentadas, ter uma horta já é um ganho. Mas a atividade na horta tem o sentido de aprender um determinado conhecimento científico. Pega a criança pelo cognitivo. Não tanto pelos lados afetivo e sensorial.
ÉPOCA – A maior parte da população brasileira vive em cidades. Milhões de pessoas moram longe de qualquer ambiente natural. Como as crianças podem ter acesso à natureza?
Laís – Estamos falando de uma mudança grande, que depende de vários agentes. Depende da escola, da família, do poder público. As cidades em geral não são planejadas. Vão se urbanizando em detrimento das áreas verdes. A gente precisa de políticas públicas que garantam a ampliação e a preservação das áreas verdes existentes. E de garantias de acesso democrático a essas áreas. Muita gente imagina que para se conectar com a natureza é preciso viajar para longe. Mas o contato com a natureza pode começar no quintal de casa. A árvore da calçada pode ser um ambiente completo para brincar. Basta o adulto permitir que a criança tome banho de chuva ou brinque na poça de água na rua.
ÉPOCA – E os riscos de se perder no mato, cair da árvore, se contaminar com água suja da poça na rua?
Laís – A gente associa natureza a doença e risco. Se brincar na areia, vai sujar. Se subir na árvore, vai cair. Em vez de proibir, podemos ter outra abordagem. Se a criança pede para subir numa árvore ou escalar uma pedra, o adulto responsável pode devolver a pergunta: “Vamos ver se você consegue?”. Ter uma atitude positiva. Ficar do lado ajudando. Faz parte da descoberta da autonomia da criança.
ÉPOCA – Para essa conexão com a natureza, tanto faz ser um área selvagem ou um jardim urbano gramado?
Laís – Quanto maior a biodiversidade, melhor. Num mundo ideal, as crianças deveriam ter a experiência de uma floresta de verdade, nativa, com espécies diversas. Na escola, por exemplo, seria ótimo ter um quintal com árvores, algumas frutíferas, mangueira com água para molhar… maiores possibilidades. Mas a gente tem de trabalhar com o que tem. Primeiro, precisamos garantir que alguma natureza exista. Se não tem como tirar o cimento do pátio da escola e ao menos colocar grama, há alternativas. Em Novo Hamburgo, uma escola fez um acordo com a igreja próxima, que tem um pomar enorme. Aí as crianças saem algumas vezes por semana para brincar no jardim da igreja. Eles começaram um lindo trabalho de desemparedamento das crianças.